CAP. III
SUBMISSÃO
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SUBMISSÃO
Clarissa entre o pai e o marido, em campanha por ela e por Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 | Foto: Arquivo Pessoal / Reprodução Facebook
CAP. III
SUBMISSÃO
Clarissa entre o pai e o marido, em campanha por ela e por Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Crédito: Arquivo Pessoal / Reprodução Facebook
Ascensão de mulheres líderes evangélicas no cenário político do Nordeste está diretamente relacionada ao discurso antifeminista
Por Raissa Ebrahim
Três vezes por semana, mais de 170 mil pessoas por minuto, segundo o Ibope, começam o dia sintonizadas na 101.7 FM para ouvir as pregações da deputada estadual Clarissa Tércio (PSC/PE) e orar junto com ela. Na Rádio Novas de Paz, líder absoluta de audiência na Região Metropolitana do Recife, a parlamentar dá conselhos sobre relacionamento, sexo, amizade e “controle da língua”. Com 34 anos, estreante na política, foi a terceira mulher mais votada do estado (50.789 votos) nas últimas eleições, em 2018. A pregação fervorosa ela herdou do pai, o pastor coronel Francisco Tércio, fundador e presidente da Assembleia de Deus Ministério Novas de Paz, que possui 150 igrejas e 20 mil fiéis e comanda a rádio onde Clarissa defende que, para um casamento ser pleno, a mulher deve ser submissa. O marido e pai de suas duas filhas, Júnior Moura, também pastor – e por vezes assessor não oficial da deputada acompanhando-a na agenda legislativa -, é vice-presidente da igreja.
Com o slogan “Em defesa da família”, seu mandato é, junto ao do deputado estadual Pastor Cleiton Collins (PP), um dos maiores combatentes da “ideologia de gênero” em Pernambuco.
Ex-dependente químico e ex-DJ, o pastor da Assembleia de Deus Ministério Madureira está em seu quarto mandato consecutivo, tendo sido eleito em 2014 com a maior votação para o cargo da história de Pernambuco (216.874 votos) até então. Ele é casado com a vereadora do Recife Missionária Michele Collins (PP), que tem forte atuação no combate às drogas e está, junto com o marido, à frente de comunidades terapêuticas. Michele exerce seu segundo mandato, foi a parlamentar mais votada da capital (15.357 votos) em 2016 e é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara pela terceira vez. Apresentadora de um programa semanal de rádio, o Mulheres de Fé, a vereadora trata de assuntos “femininos” e “até de temas polêmicos para a igreja”, com o objetivo de preparar mulheres e líderes.
Recentemente, ela desarquivou um Projeto de Lei municipal para exigir que as escolas peçam autorização aos pais antes de falar sobre sexo em sala de aula.
As configurações familiares de Clarissa e de Michele são bem parecidas com as da deputada estadual reeleita no Ceará Dra. Silvana (PR), casada com o médico, pastor e deputado federal Dr. Jaziel (PR), que considera “dono do seu mandato” e “depois de Deus, o seu mestre”.
Autora do projeto Escola sem Partido para a rede pública estadual cearense, a parlamentar diz “entender e viver a submissão feminina no amor em Cristo”; “ele, a cabeça; ela, o corpo”.
Indicada, em 2015, pelo PMDB, seu partido à época, para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia legislativa do Ceará (Alce), seu nome foi retirado pela própria legenda após pressão de movimentos sociais. Silvana já chegou a declarar: “Deus fala comigo e diz: ‘olha você bateu na ideologia de gênero, agora você vai bater no feminismo’”.
Com uma população evangélica que passou de 10,3% para 16,4% em 10 anos, segundo o Censo do IBGE (2010), o Nordeste viu crescer também a influência de mulheres da igreja nos espaços políticos. Nas últimas eleições, muitas delas conquistaram votos em defesa da união heterossexual e para proteger as crianças da “doutrinação marxista” nas escolas. Autointituladas “femininas”, e não feministas – movimento que consideram radical -, elas têm na figura da Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, uma adoração.
“A Dra. Damares se expressou muito bem quando disse ‘eu trabalho em aldeias indígenas, eu vejo que meninas já nascem com instinto maternal e meninos, com instinto guerreiro’. Isso é natural”, defende Clarissa em um dos vídeos mais populares do seu canal de Youtube (“Os extremos da ideologia de gênero”), onde tem o programa diário Minutos de Sabedoria.
“A ideologia de gênero diz que você pode ser o que você quiser e o que lhe der vontade. Isso chega ao ponto de ser bizarro, e os que compram essa ideia pensam assim: Se eu posso ser o que eu quero, eu posso ser um cavalo, um gato. Achou estranho? Confira essa imagens”. A partir daí, o vídeo, com uma trilha sonora de suspense, passa a reproduzir imagens de um pai que resolveu tornar-se uma “menininha de seis anos”; de um “homem normal, professor” que sonha em virar cavalo; e de uma “mulher gato”. “Tudo em nome da construção da identidade”, destaca a deputada.
Para ela, líder do Partido Social Cristão na Assembleia Legislativa de Pernambuco, “O discurso da ideologia de gênero surgiu através do feminismo, linkado com o movimento LGBT no Brasil e deu uma alavancada quando o presidente Lula assinou decreto fortalecendo o movimento e reconhecendo novas configurações familiares”, disse Clarissa em entrevista à Gênero e Número. A intensificação desse conjunto de ideias que ela considera “sem fundamentação científica e lógica” e “criado por Judith Butler” aconteceu quando da tentativa de inserir o assunto no Plano Nacional de Educação, em 2014. E que “Graças a Deus, deu errado.”
Clarissa – que nunca se pronuncia no grupo de WhatsApp formado exclusivamente pelas deputadas estaduais pernambucanas, assim como não comparece a almoços organizados pelas mulheres, conforme apurou a Gênero e Número – enxerga o feminismo como um movimento que, em sua origem, ajudou a conquistar direitos como trabalhar, votar e se candidatar, mas que depois “se distorceu”. “O feminismo foi se tornando um movimento muito radical em que as mulheres querem gritar muito alto e viver numa verdadeira guerra dos sexos, ser melhor que os homens, dizer que não precisam deles, que são a favor do aborto”. Apesar de acreditar que eles e elas têm direitos iguais e foram criados por Deus com o mesmo valor, seus papéis são diferentes e complementares.
Submissão: “Alguém que auxilia na missão”, pondera a deputada
A parlamentar, que costuma fazer lives com o marido, explica detalhadamente a sua teoria:
“Eu defendo a submissão da mulher. Para um casamento ser pleno, acredito que a mulher deve ser submissa. Isso soa muito mal ao ouvido de alguns, né? Porque não entendem o que é submissão. Se formos para a etimologia da palavra, ‘submissão’ fala de alguém que auxilia na missão. Então eu sou casada e eu sou submissa ao meu esposo, eu ajudo ele numa missão de construir uma família saudável. Aí se a gente olhar mais um pouco a palavra, a gente vê que ‘sub’ fala de algo que está abaixo, a base. E se a gente for ver, a base é a parte mais importante da estrutura de uma construção. Então perceba o valor da mulher. Eu sei ser submissa e sei muito bem a diferença de submissão para subserviência.”
É no seu programa de Youtube, no vídeo “Seja uma mulher virtuosa”, que a deputada ensina a prática, sempre gesticulando, com braços abertos que pregam junto às palavras: “Seu marido confia em vc? Em todas as áreas, da fidelidade conjugal ao controle com o cartão de crédito?” – e solta beijo para o marido que entra no estúdio. “Coisa boa é o esposo poder chegar em casa e dizer (ela começa a simular a fala do marido): ‘Ah como eu estava ansioso para chegar em casa, meu amor, para contar para você o que aconteceu hoje no meu trabalho. Como eu estava querendo, desejando esse momento de chegar em casa, tomar meu banho e sentar aqui, minha filha, e contar tudo para você. Chega aqui, senta aqui (…) ‘Ela só fala a verdade, eu posso pegar o celular dela e, com meu dedinho, com a minha impressão digital, o celular dela já abriu, eu tenho acesso a tudo’. “E da mesma forma o esposo com a esposa, não tem segredos”, pontua no final.
Para o cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) Joanildo Burity, avaliar o papel dessas mulheres conservadoras na sociedade exige que observemos onde de fato elas ancoram sua legitimidade social e em que medida, apesar de ocuparem lugares de poder, elas acabam sendo instrumentos da reprodução de formas de desigualdades de gênero que têm nas igrejas hoje um dos seus esteios, porém não o único.
“É preciso levar em conta que a negação dos avanços da participação das mulheres na sociedade, assim como o rechaço das bandeiras que nas últimas décadas animaram os movimentos sociais, não estão concentrados apenas no campo evangélico”. Campo este que, lembra o pesquisador, cresceu no país nas últimas três décadas acompanhado também por um aumento da presença e da atuação feminina nessas instituições que vêm influenciando desde as relações familiares e matrimoniais até o surgimento de setores especialmente formados por jovens mulheres que questionam, de forma ainda discreta, mas efetiva, os padrões de desigualdade de gênero existentes dentro das igrejas e que são usados pelos líderes religiosos para legitimar essas desigualdades.
A pressão evangélica pela Comissão de Direitos Humanos em Pernambuco
A deputada Clarissa Tércio integra, entre outras comissões na assembleia do estado, a de Direitos Humanos, Cidadania e Participação Popular e a de Defesa dos Direitos da Mulher. No início da atual legislatura, em fevereiro, as bancadas de oposição e governo haviam acordado que levariam a “mandata” das Juntas (PSOL) à presidência da CDH. Formada por cinco mulheres, é a primeira “mandata” coletiva, feminista, antirracista, anti-lgbtfóbica e popular de Pernambuco. Entre as codeputadas, está Robeyoncê Lima, primeira mulher trans advogada do Brasil. Mas o combinado inicial foi quebrado de última hora, depois de uma reunião tensa em que a parlamentar evangélica colocou-se como candidata e passou a reivindicar o cargo, com apoio do deputado Cleiton Collins (PP). O argumento de Clarissa era que a vaga pertencia à oposição e as Juntas não eram oposição, por ser declararem independentes.
Com o Plenarinho I lotado, por algum tempo a deputada insistiu na questão da proporcionalidade afirmando que essa era a razão para querer a presidência. Mas, ao final, admitiu: “É inegável a questão ideológica. Somos bem diferentes (ela e as Juntas) em pensamento e entendimento. Essa é a grande razão pela qual elas estarem brigando (pela presidência), e eu não vou abrir mão disso”. Um total de 136 movimentos sociais que tratam de direitos humanos assinaram, na época, um manifesto pedindo as Juntas na presidência da comissão, inclusive duas organizações evangélicas, a Cristãos pela Democracia e a Frente dos Evangélicos pelo Estado de Direito.
Após o adiamento da votação, a conjuntura da pressão, da articulação política e de uma eleição por aclamação, sem necessidade de voto, terminou garantindo as Juntas na presidência. Numa reunião com ânimos exaltados, gritaria e atrasos, a bancada evangélica, tanto do governo quanto da oposição, retirou-se da reunião, e não voltou mais.
“O projeto de poder deles é para eles, é para 1% da população, e não para 99%. O nosso é para todos. A gente não veio aqui fazer disputa ideológica, a gente veio para mudar a vida das pessoas”, rebate Carol Vergolino, codeputada das Juntas, em entrevista à Gênero e Número. Em maio, a mandata protocolou um Projeto de Lei que assegura aos professores, funcionários, estudantes e à comunidade escolar em geral a livre manifestação de seus pensamentos e suas opiniões, nas instituições públicas e privadas de ensino no estado.
Depois da confusão pela presidência da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Participação Popular, Clarissa só compareceu a duas das quatro reuniões ordinárias da comissão este ano, de acordo com apuração da Gênero e Número. Esteve em todas as extraordinárias, que foram três, mas em apenas uma audiência pública. Recentemente a dupla Clarissa e Pastor Cleiron Collins, juntamente com outros nomes conservadores, protagonizou outra polêmica na assembleia legislativa após a Secretaria da Mulher de Pernambuco lançar um edital de concurso de fotografia voltado a lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. “Me senti discriminada por ser mulher no meu estado”, disparou a deputada na época.
“Se nós somos iguais, então as leis têm que ser iguais para todos. Não precisa dessa seletividade. Eu percebo que há uma luta de certas categorias por privilégios”, disse à Gênero e Número em entrevista respondida por áudio de WhatsApp no final de maio, a única forma de comunicação que conseguimos com a deputada após três semanas de tentativas para um encontro presencial. Ela afirmou estar com agenda lotada, entre atuação na Alepe e viagens a Brasília e ao interior do estado.
Ele a cabeça, ela o corpo
“As minorias, de forma autoritária e/ou enganadora, tentam impingir à maioria aquilo em que acreditam, práticas condenáveis e moralmente insustentáveis. Esses desvios são males que adoentam a sociedade, principalmente se introjetados na mentalidade infantil”.
É com um pensamento semelhante ao de Clarissa Tércio, sobre a relevância das minorias, que a deputada estadual Dra Silvana (PR/CE) explica para a Gênero e Número, em entrevista por e-mail, por que a “ideologia de gênero” representa um mal para as crianças e a sociedade. Ela é autora do Projeto de Lei nº 15.168/2012, que reconhece música gospel e eventos a ela relacionados como manifestação cultural.
Silvana Oliveira de Sousa, fiel da Assembleia de Deus, considera que “a ideologia de gênero é um dos caminhos de deterioração dos valores éticos e morais da sociedade, gestados nas mentes doentias de intelectualóides de esquerda que seguem os ensinamentos gramscianos (Antonio Gramsci, filósofo marxista, jornalista, crítico literário e político italiano)”.
Com 50 anos, mãe de dois filhos homens, a parlamentar defende que “o lugar de receber educação sexual é no lar”. Entre teorias possíveis citadas por Dra Silvana (“desvio psíquico”, “desvio moral” e “doença”) para explicar a homossexualidade e a transexualidade, ela fica com o ensinamento bíblico: “especialmente a admoestação paulina que condena o homossexualismo e outras práticas sexuais aberrantes”. Após dizer que o tema é “polêmico”, a médica dermatologista frisa ser necessário “respeitar a todos os seres humanos como criação de Deus”.
Além do PL em defesa da música gospel, é dela o Projeto de Lei nº 147/16, que proíbe no Ceará, “durante manifestações públicas, sociais, culturais e/ou de gênero, a satirização, ridicularização e/ou toda e qualquer outra forma de menosprezar ou vilipendiar dogmas e crenças de toda e qualquer religião”. A multa prevista, em caso de descumprimento, é de quase R$ 370 mil (100.000 Ufir CE). A justificativa do PL cita o monólogo “Histórias Compartilhadas”, que aborda o tema da transexualidade, de autoria do ator e jornalista de Fortaleza Ari Areia. Durante a encenação, ele pinga gotas do próprio sangue sobre a imagem de Jesus crucificado. Um debate na Rádio Universitária FM em 2016 chegou a terminar em bate-boca entre os dois.
O endereço do blog da parlamentar mostra como Dra Silvana atua na vida e na política. A página leva seu nome, mas, logo na abertura, é o nome do marido, Dr Jaziel (PR/CE), ex-vereador de Fortaleza e ex-deputado estadual, que aparece primeiro. A foto é do casal, ele abraçando-a. Na sequência, um recado aos leitores: “Sejam todos bem-vindos! A partir deste ano de 2019 teremos novidades! Estaremos postando neste mesmo canal as ações do Deputado Federal Dr Jaziel Pereira e continuaremos com as postagens das ações da Deputada Estadual Drª Silvana Oliveira. As ações da tribuna, comissão e frente parlamentar serão noticiados neste blog para que todos possam acompanhar de perto os trabalhos parlamentares na Assembleia Legislativa como na Câmara dos Deputados. Boa leitura a todos! Compartilhem conosco o nosso MANDATO!”. Na sequência, um salmo: ‘’Oh! quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união – Salmos 133:1”.
Para a deputada – que diz ser “dona de um estilo próprio” e gosta de discursar sem sandálias – igualdade de gênero é “igualdade de direitos na medida das responsabilidades circunstanciais e dos deveres”. Para ela, “uma gerente de uma multinacional, por exemplo, terá direitos naturalmente diferentes de um homem que está na base da pirâmide profissional”. Crítica do feminismo, Dra Silvana ataca o movimento dizendo que o tipo igualdade de gênero pregado não passa de “engodo para inglês ver”. “Como seres humanos, não deve haver acepção de pessoas, já ensina o Cristo há mais de dois mil anos”.
A deputada, em seu segundo mandato na Alepe, chegou a declarar, em entrevista ao jornal O Povo, que vive o casamento “com aliança”. “Nós não somos menos que o outro. Ele é a cabeça e eu sou o corpo. Uma cabeça não anda só”. À Gênero e Número, Dra Silvana, para quem “o feminismo é tão ruim quanto a ideologia de gênero”, quase sempre se refere aos papéis sociais buscando explicações divinas. “Desde a criação do mundo o papel da mulher é de importância ímpar, tanto como ajudadora do homem quanto como líder de famílias e de povos”.
O nome social de uma evangélica na urna
“Se você for estudar o perfil de cada mulher que levantou essa bandeira (do feminismo) no mundo, você vai ver que elas mesmas deixaram, em certos momentos, a desejar, que eram mulheres carentes, que apanhavam do marido. Por que eu sou tão feminista, apanho do meu marido e deixo meu marido ter outra mulher?”, questiona a vereadora do Recife Missionária Michele Collins (PP), reconduzida este ano à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara do Recife para o biênio 2019/2020.
Em conversa com a Gênero e Número no plenário da Câmara, acompanhada de seu chefe de gabinete e de sua assessora de imprensa – que não pertencem à igreja -, a vereadora diz concordar com “alguns pontos (do feminismo), como a igualdade salarial, o direito de estudar, de trabalhar, de votar e de ter herança”, mas acha que o movimento “se deturpou”. “A mulher acho que é mais forte do que o homem, mas é mais sentimental, é uma questão da essência em si da mulher”, classifica a administradora de empresa de formação.
Mãe de três filhos, sendo as duas mulheres missionárias e o homem músico da Assembleia de Deus, Michele se define como “uma conservadora equilibrada” e se considera “durona e incisiva dentro de casa”. Quem acompanha seu mandato desde a legislatura passada diz que ela passou a adotar uma postura mais ampla desde o discurso histórico e bastante criticado que fez à tribuna quando defendeu que a mulher tem que ser submissa ao homem. Atualmente a missionária defende, por exemplo, cota de mulheres na mesa diretora da Câmara, aproximando-se de pautas feministas, apesar de nunca mencionar o termo nem a palavra “gênero” em seus discursos. A oposição e os movimentos sociais LGBT acreditam que a construção dessa narrativa é, na verdade, uma forma de aproximação para dialogar dentro das igrejas desconstruindo o feminismo.
Ela chegou a virar personagem de memes na época da sua reeleição, em 2016, quando obteve a maior votação da capital. Um deles dizia “Mais Michelle Melo, menos Michele Collins”. A Mello é uma das cantoras mais famosas da nova geração do brega, considerada a “Rainha do brega pernambucano”. Já a Collins é famosa também pelos programas de rádio e TV que apresenta (este último volta em breve, segundo ela, na TV Nova/TV Band) e pelo encontro anual que promove para líderes cristãs. Em 2019, o evento será sobre o feminismo à luz da Bíblia.
Para a vereadora, que também participa da Comissões de Ética e em Defesa da Mulher, em primeiro lugar está a Michele mãe e esposa, depois a missionária e só depois a vereadora. É com essa ordem que ela se apresenta na minibio de sua página no Facebook, cuja imagem de capa é a foto do casal em agradecimento aos 106.394 votos que o esposo recebeu nas últimas eleições. “Esposa do Pr. Cleiton Collins, mãe, 3 filhos, defende a família e a vida, serva e filha do Deus altíssimo e vereadora do Recife pela misericórdia de Deus” é como ela se descreve.
“Nos movimentos sociais em que eu milito, vejo as mulheres muito agressivas para lutar por um direito. A gente não consegue nem dialogar. Fiz uma audiência pública aqui na Câmara que invadiram, gritaram, bateram, fizeram zuada, não deixavam ninguém falar, uma falta de respeito, de educação. E não é assim que se conquista os espaços”, defende a missionária com voz mansa durante a entrevista.
A vereadora diz respeitar que pessoas do mesmo sexo se relacionem: “São pessoas normais, comuns, pessoas de direito, da sociedade civil, de várias condições econômicas, sociais, acadêmicas e que têm total direito de ser o que elas são”. Mas não compreende e não aceita “quando isso vem para impor para a sociedade um formato diferenciado”. Michele fez críticas a Dilma Rousseff (PT) quando um decreto da ex-presidente reconheceu o uso do nome social de travestis e transexuais, sendo que ela mesma usa um nome social. Seu registro é Daíze Michele de Aguiar Gonçalves. Na urna, além de acrescentar o “missionária”, a vereadora faz uso do “Collins” por causa do marido. Há duas versões sobre o sobrenome. Nos bastidores, diz-se que é porque o deputado estadual e ex-DJ Banana homenageou o cantor Phil Collins. Oficialmente, é porque o pai do pastor é libanês e tem esse sobrenome. Cleiton só conheceu o pai aos 38 anos e foi registrado por ele novamente. Mas, para mudar o sobrenome da esposa e dos filhos, a burocracia seria maior.
Na entrevista, Michele defendeu também que a educação sexual é um assunto para ser levado com “naturalidade e respeito às escolas, numa aula de biologia, abordando o assunto de maneira sútil”, e não “através de livros, conteúdos pedagógicos, palestras, oficinas”. “Foi o que aconteceu comigo na minha formação na escola. Eu aprendi de forma natural, e não com os professores que iam para a sala de aula militar”. Ela acredita que esses docentes são “militantes infiltrados no poder público, lá na cabeça, aquele pessoal que faz os livros, técnicos respeitados, mas que têm certos tipos de ideologias marxistas e querem impor isso na cabeça das pessoas”.
A vereadora diz já ter ouvido depoimento do tipo “Você beija na boca de menina, você beija na boca de menino, você tem que experimentar tudo para você ver o que é melhor”. E isso é incentivar as crianças, na opinião dela, que diz ter “pessoas na família que têm relação com pessoas do mesmo sexo” e “amo do mesmo jeito e acolho e abraço e quero tudo de bom para essas pessoas”. Coerente com o que prega, Michele desarquivou, no ano passado, um projeto de lei municipal (PLO 82/2018) que obriga as escolas públicas e privadas do Recife a pedirem autorização dos pais ou responsáveis para que os alunos frequentem as aulas que tratem sobre educação sexual. O vereador Ivan Moraes (Psol), vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, emitiu parecer contrário. Mas foi vencido pelo voto do vereador Davi Muniz (Patriotas), que também faz parte do colegiado e costuma ser o braço de apoio de Michele aprovando parte das suas pautas conservadoras. Em torno de 60% dos projetos da Casa José Mariano passam pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania, que também envolve assuntos ligados a direito do consumidor.
A vereadora, que também faz parte do Conselho Municipal de Direitos Humanos e Segurança Cidadã do Recife, tem estado bem próxima das pautas ligadas a Pessoas Com Deficiência, o que, aos olhos da oposição e dos movimentos sociais, é visto como uma forma de crescer para além das pautas LGBT dentro dos assuntos ligados a direitos humanos. “Quando falamos de políticas públicas, a gente tem que falar de uma forma geral, para o adolescente, para o idoso, para a Pessoa com Deficiência. Se tem uma política pública para uma pessoa com deficiência, ela tem que ser igual pra todo mundo, independente de ela ser homossexual ou não”, defende Michele.
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